terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Cosmologia Ye'kuana

Os Ye´kuana concebem o universo composto por dois planos paralelos : caju (o céu) e nono (a terra). Em nono, plano inferior do universo, o sobrenatural fora outrora neutro (ou pelo menos suas manifestações eram desconhecidas pelos habitantes da terra). Então o Sol pai deixou cair três ovos mágicos. Os dois primeiros se abriram e deles saíram Wanadi, um herói cultural mítico, e seu irmão. O terceiro não chegou a se quebrar, mas ficou machucado e deformado. Wanadi então o atirou na floresta. Com essa segunda queda o ovo se abriu e Cajushawa, cheio de ressentimento e de ódio, apareceu na terra e se converteu na manifestação negativa do sobrenatural. Desde então a gente de Cajushawa (os demônios ou odosha) se proliferaram pelo mundo, dominando o reino invisível da terra.

Em contrapartida, Wanadi, a expressão benévola do sobrenatural, depois de ter vivido na terra por um tempo durante o qual lutou contra Cajushawa, deixou a terra nas mãos de sua gente, os Ye´kuana, a quem cabe lutar contra os demônios.

A configuração da terra tem em seu centro um círculo interno de água chamado dama (o mar), que é rodeado por outro círculo, nono (a terra propriamente dita), o qual possui artérias de água, tuna (os rios provenientes do mar). Rodeando a terra há outro círculo donde partem raias inclinadas que são os pilares de sustentação do céu. Este espaço é chamado caju wowaö´ña, literalmente « as patas do céu». Além de suportar o céu, caju wowadö´ña constitui o limite do reino de Cajushawa. As aldeias do leste se dizem que estão aderidas a caju wowadö dawono (a parte inferior de caju wowadö). Na direção leste há inumeras cascatas de difícil acesso que iniciam na terra, correm subterraneamente em caju wowadö´ña e reaparecem no céu em forma de água calma. Quando Cajushawa perseguia Wanadi, não conseguiu atravessar essas cascatas e deve que ficar na terra.

Caju (céu), plano superior do universo, está dividido em oito camadas, que são os reinos dos jöwai. As aldeias de Wanadi e do Sol estão em um lugar inacessível de caju, concentradas em um único local para além do mundo no qual os seres visíveis (os Ye´kuana) e os invisíveis (os demônios de Cajushawa) competem incansavelmente, e o equilíbrio entre as forças positivas e negativas é precário. Habitando esse local, Wanadi está completamente alheio aos problemas da terra.

A geografia do universo e a geografia da maloca são marcadas por uma grande similaridade. Mais que isso, a maloca pode ser compreendida como uma réplica do cosmo: suas partes correspondem a cada uma das divisões significativas do céu e da terra. A annaca (ou círculo interno) corresponde à dama (o mar no centro do mundo). O círculo seguinte que configura a terra (nono) corresponde na maloca à äsa (os departamentos/dormitórios). Nas margens desse segundo círculo se erguem os pilares que sustentam o teto. Os mastros maiores se chamam sirichäne, o que significa literalmente « apoio das estrelas ». Na concepção ye´kuana do universo este espaço corresponde a caju wowadö´nã, ou « patas do céu ». O teto cônico da casa redonda, por sua vez, tem configuração semelhante à representação do plano superior do universo, sendo o ponto culminante a morada de Wanadi e seu pai. Na maloca, há uma janela no teto que se abre para o leste, na direção de Wanadi.

Além dos demônios, odosha, há outra forma através da qual o sobrenatural se manifesta negativamente. Segundo os Ye´kuana, os sistemas de vida (o animal e o vegetal, por exemplo) têm correspondentes invisíveis ou « donos » no mundo invisível. Quando os Ye´kuana afetam as manifestações visíveis desses seres – ao caçar um animal ou derrubar uma árvore, por exemplo – provocam um desequilíbrio no mundo invisível. As forças invisíveis então reagem provocando má sorte, doença ou morte nos agressores. Para amenizar esse problema, lançam mão de ritos antes do uso de determinados produtos da natureza, como frutas silvestres, caças, resinas (por exemplo, a caraña que se usa para pintura corporal) etc. Os produtos são « soprados » a fim de repelir a força sobrenatural que se encontra neles alojada.

Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/yekuana/745

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